A Rio+20, Conferência destinada a comemorar os 20 anos do lançamento do programa da ONU, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (CNUMA), realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992 (Eco-92), trouxe poucos avanços e muitos retrocessos.
A Conferência foi composta, basicamente, por três momentos. Até o dia 15 de junho, o foco foi a discussão com representantes governamentais sobre os documentos que posteriormente poderiam ser convencionados. No período de 16 a 19, ocorreu a programação envolvendo a sociedade civil e, de 20 a 22, ocorreu o chamado Segmento de Alto Nível, com a presença de chefes de Estado e de governo dos países-membros das Nações Unidas.
Na Rio+20, o conceito de “sustentabilidade” foi apresentado diversas vezes, com diferentes enfoques. Etimologicamente, é a “capacidade de fornecer ou garantir o necessário para a sobrevivência no planeta”. Segundo o relatório publicado pela ONU em 2010 atualmente cerca de um sexto da população mundial é responsável por quase 80% do que é consumido mundialmente. O crescimento demográfico e a concentração da população, em cerca de 80% nas grandes metrópoles, têm dificultado a concretização dessa sustentabilidade. Infelizmente, no documento chamado Esboço Zero, rascunho do documento final da Rio+20, a palavra demografia não foi sequer citada, o que agrava a situação e demonstra um claro retrocesso na discussão sobre o tema. Neste contexto, aliar o desenvolvimento sustentável de maneira a proporcionar condições de igualdade e inclusão social é o grande desafio das nações.
Se por um lado a discussão sobre sustentabilidade e aumento da população não resultou em soluções concretas no Documento Final, essa meta foi muito analisada e discutida na indústria nacional, principalmente nos setores químico e farmacêutico. Segundo o Relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entregue pelo presidente da entidade, Robson Braga de Andrade, à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, no seminário Encontro da Indústria para a Sustentabilidade, no dia 14 de junho de 2012, a indústria química reduziu em 47% suas emissões de CO2 em dez anos. O documento mostra que as indústrias brasileiras, cada vez mais, incorporam princípios de sustentabilidade nos planos de negócios. Mesmo com as boas notícias do Relatório da CNI, diversas empresas que participaram do fórum empresarial na Rio+20 fizeram questão de mostrar que têm respeitado o meio ambiente para atingir uma economia verde inclusiva.
Outra meta muito citada foi alcançar uma economia verde (Green Economy), inclusiva e de baixo carbono, em busca do desenvolvimento sustentável. Essa nova forma de entendimento da economia fez com que o Brasil tivesse que apresentar suas experiências com questões relacionadas ao etanol até questões como conservação e uso sustentável de regiões como a Amazônia. Essa discussão levou a outra questão. Como países subdesenvolvidos podem incorporar uma visão de sustentabilidade onde só se enxerga trabalho escravo, fome e pobreza? Neste contexto só existe uma resposta: uma economia verde que proporcione uma certa equidade, pelo menos para os países mais pobres. Durante a Eco-92 já havíamos falado dos limites do planeta. Agora, na Rio+20, a biodiversidade está intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento das nações.
E aí surge mais uma pergunta: como aliar sustentabilidade se a equação da conservação deixa de fora o uso sustentável e a pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos oriundos da biodiversidade nacional? Hoje o principal entrave para as indústrias que obtêm produtos da biodiversidade nativa é a atual legislação de o ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado. A Medida Provisória nº 2.186-16/01 estabelece as regras de o ao patrimônio genético brasileiro e vem sendo apontada como uma fonte de insegurança jurídica que ameaça o desenvolvimento das indústrias no Brasil. Uma das finalidades da referida MP é a repartição de benefícios com as comunidades detentoras do conhecimento tradicional, mas as regras atuais impõem muitas dificuldades, dentre elas a identificação do representante legal da comunidade local onde é feita a coleta da amostra, o acordo de repartição que inclui detalhes ainda obscuros para as partes envolvidas, e a possível reivindicação de direitos por outras comunidades alheias ao local da coleta e do o ao conhecimento tradicional. Embora nem sempre os resultados do desenvolvimento de um produto sejam promissores, a MP desconsidera essas etapas e onera ainda mais o processo, pois muitas vezes a empresa ou o pesquisador fica sem uma resposta concreta do CGEN por falta de regulamentações adequadas que contemplem todos os casos, fazendo com que o processo fique sobrestado até que haja uma nova normativa que contemple o escopo reivindicado.
Às vésperas da Rio+20, a área econômica do Governo havia comunicado que iria beneficiar empresas verdes. Entretanto o Governo tem feito o oposto nos últimos anos, diminuindo impostos para a compra de automóveis, concedendo empréstimos a juros baixos para termelétricas a carvão, subsidiando empresas que descumpriram legislação ambiental, dando estímulos para indústria de alto carbono e subsidiando o uso de combustível fóssil.
O que foi visto durante e logo após a Rio+20 evidenciou ainda mais os retrocessos da Conferência. Ao mesmo tempo em que vimos uma sociedade civil preocupada com o futuro do planeta, comunidades tradicionais organizadas em prol do meio ambiente, e empresas querendo mostrar um desenvolvimento com sustentabilidade e responsabilidade social, vimos também grupos discutindo questões de direitos humanos que foram duramente retiradas do Documento Final, e chefes de Estado que aprovaram o texto da Conferência, escrito e finalizado de forma extremamente superficial.
O documento final da Rio+20 foi aprovado no final da Conferência, no dia 22 de junho, sem alterações pelos chefes de Estado e Governo e oficialmente adotado por mais de 190 países. O documento trouxe compromissos como o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a criação de um Fórum Político de Alto Nível Internacional e uma longa lista de promessas para avançar para uma “economia verde” com a diminuição da degradação do meio ambiente, combatendo a pobreza e reduzindo as desigualdades. Na Rio+20 (como na Eco-92), não foram apresentadas as origens dos recursos para se realizar essa transformação, ou seja, os meios de implementação, principalmente devido à crise econômica dos países desenvolvidos. O documento final, publicado no site oficial da Conferência, apresentou compromissos pouco ambiciosos, muitas promessas e propostas mínimas de soluções concretas.
Como bem escreveu a jornalista Miriam Leitão: “O governo (e o resto do mundo) não deveria(m) improvisar nesse tema. Quem entende do assunto não confunde maquiagem verde com transição para a economia de baixo carbono”1.
Ana Claudia Dias de Oliveira
Especialista em Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da ABIFINA e sócia da 2PhD Consultoria